quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Violência Entre Lésbicas



Muito é discutido sobre a violência praticada pelos homens contra as mulheres, seja no lar, na rua ou no trabalho. A lei Maria da Penha está em vigor para punir esses agressores em potencial na nossa sociedade e amparar as mulheres vítimas de tais atos. O índice de violência masculina contra as mulheres é bastante alto aqui no Brasil, representado XXX%, deixando de fora é claro, um número expressivo de mulheres que são agredidas, mas que não buscam os seus direitos e preferem se calar por vergonha ou medo de sofrer represálias. Porém, existe um tipo de violência que está presente em nossa sociedade e que é tão grave quanto à violência masculina: é a violência entre mulheres, seja a violência gerada pela inimizade entre mulheres ou para ser mais específica, a violência doméstica entre parceiras que convivem juntas.
 
A violência entre lésbicas existe na nossa sociedade, porém, é um assunto tratado de uma forma muito velada, inclusive dentro do próprio meio LGBT. Neste último caso, as vítimas que procuram auxílio em uma delegacia sofrem duplamente – primeiro pela violência já sofrida e segundo – o preconceito por serem homossexuais, já que a polícia brasileira no geral, não possui profissionais preparados para atender esse tipo de caso. Isso se explica a quantidade de casos que acontecem desse gênero. Nós sabemos que eles existem, mas eles não são levados em conta nas estatísticas simplesmente porque a mulher lésbica agredida prefere o silêncio do que vir a se expor. Tornando-se bem evidente se formos levar em consideração a classe social dessa lésbica: quanto maior o grau de estudos e de posição social, menos essas mulheres vão procurar seus direitos por medo de ter que expor a vergonha de ser agredida e principalmente, em ter que revelar-se homossexual.
 
É evidente que a violência doméstica entre lésbicas de um poder aquisitivo e de instrução maior aconteça, mas são casos abafados pelas duas, a agressora e a agredida. Geralmente pela posição que ocupam no trabalho, assim como em outros âmbitos sociais, elas preferem manter-se na já vivida invisibilidade lésbica. É praticamente impossível para uma lésbica como essa, que sempre procurou não expor a sua sexualidade para a família e para a sociedade, chegar a uma delegacia dizendo que apanhou da sua companheira.

Geralmente a agressão física ou qualquer ato que se caracterize como violência acontece quando uma das duas tenta manter o controle e poder sobre a outra, seja motivada por ciúme ou qualquer outro sentimento que lhe traga insegurança. O relacionamento começa a desandar e quando a parte dominante começa a perceber que não consegue manter o controle e domínio sobre o outro, parte para a violência, que pode vir de diversas formas, sempre culminando na agressão física.

De acordo com algumas fontes pesquisadas, a violência doméstica entre homossexuais só começou a ser estudada na década de 90, vinte anos depois de terem dado início aos estudos de violência doméstica entre heterossexuais.  Para muitos, inclusive hoje em dia, é quase inconcebível que haja violência entre casal de lésbicas, simplesmente pelo mito implantado na nossa sociedade de que mulheres não são violentas e que por se tratar de uma relação entre iguais, as lésbicas estariam fora de uma relação de poder e por tanto longe da violência. Porém, as lésbicas estão suscetíveis a sofrer as mesmas formas de agressão vividas por uma mulher heterossexual: são vítimas de parceiras extremamente ciumentas (leia-se ciúme doentio!), manipulações psicológicas, agressões verbais, alcoolismo, drogas ou problemas psicológicos graves. No livro “Homossexualidade, do preconceito aos padrões de consumo”, único trabalho existente sobre a violência doméstica entre lésbicas aqui no Brasil, a psicóloga Adriana Nunan afirma que as agressões entre homossexuais são bastante semelhantes as que ocorrem entre os casais heterossexuais e ainda relata que a lésbica mais assumida, na maioria das vezes, é o tipo mais ameaçador em uma relação. Um exemplo do que a psicóloga expõe nessa fala, está no relato de algumas lésbicas que já foram agredidas: a primeira forma que a agressora procura fazer para intimidar a outra, é ameaçando com a revelação da orientação sexual. Porém, é importante ressaltar que não só as lésbicas masculinas é que são violentas. A ameaça de revelar ou a revelação da orientação sexual também é uma forma de agressão chamada de ‘outing’. Aliás, a ameaça de revelar a situação da homossexualidade é a única coisa que distingue a violência entre casais homossexuais em relação às relações heterossexuais.

O ciúme desempenha fator determinante em algumas relações. Pode ser motivado pela insegurança, medo ou simplesmente fazer parte de uma mente fantasiosa. Trata-se do ciúme interno, que sai de dentro para fora, sem haver a necessidade de fatores ou causas externas. A idealização do ser amado também é algo determinante: idealizamos uma pessoa para nós, mas inevitavelmente o ideal não corresponde ao real, e aí começam a surgir as brigas e os desentendimentos que por vezes, dão lugar as agressões já que a agressora compreende que essa seja a melhor resposta para os problemas vividos na relação com sua parceira.

Existem inúmeros casos e inúmeros motivos irracionais para uma relação culminar deste modo trágico. De acordo com informações do site Desalambrando, um projeto argentino dedicado à violência doméstica entre lésbicas, as estatísticas revelam que boa parte dos casos é de violência extrema e que existem diversos registros de casos de assassinato, além de tentativas de suicídio, humilhações, abuso sexual e insultos verbais.

Navegando pela internet em busca desse assunto, encontrei alguns depoimentos de mulheres lésbicas que já foram agredidas e achei interessante republicá-los aqui. Dois desses depoimentos são de vocalistas de duas bandas conhecidas no cenário do rock lésbico de São Paulo e do país: Claúdia Rom do Santa Claus e Elisa Gargiulo da banda Dominatrix. Segue depoimentos:

“O que no começo aparentava um ciúme inofensivo, com o tempo, foi se tornando uma possessão doentia. Na rua, quando discutíamos, ela me segurava pelo braço e eu tinha duas escolhas: ou cedia ou encarava um escândalo. O primeiro soco no rosto foi por pensar que eu a traía com um colega de trabalho. Certa vez, durante uma discussão violenta na rua, dois rapazes desconhecidos apareceram e ameaçaram interferir em nossa “briga de casal” caso ela encostasse em mim novamente. Ela não hesitou, e me deu um soco no estômago e um dos rapazes a jogou no chão com um soco no rosto. Desesperada, fui socorrê-la. Ela, me culpando por ter apanhando, me deu uma surra. Eu gritava por socorro, mas as pessoas desviavam o olhar e fingiam não ver nada.”
Cláudia Rom, 23 anos, vocalista do Santa Claus

“Ela já tinha tentado uma relação sexual comigo várias vezes, e não se conformava com as minhas negativas verbais e físicas. Um dia, quando dormimos juntas na mesma cama, porque estávamos em turnê com as nossas bandas, senti que me tocava o corpo todo, nas partes íntimas e tentava me acordar desse jeito, em outra tentativa de algo acontecer. Acordei já com parte das minhas roupas removidas e comecei a chorar e mudei de quarto. Na manhã seguinte, ela falou no café da manhã, na frente de todas as pessoas das duas bandas ‘ Elisa não quer fazer sexo comigo, saco’. Todas ficaram desconsertadas, mas ninguém veio conversar comigo pra saber se eu precisava de alguma coisa. Demorei dois anos pra descobrir que tinha sido violentada por uma menina.”
Elisa Gargiulo, 26 anos, vocalista da banda Dominatrix


Mais uma história de violência:
Aos 56 anos, WF é vista na repartição pública em que exerce o cargo de secretária-executiva como uma excelente profissional, mas também como uma solteirona austera, devido a uma desilusão amorosa na juventude, decidiu nunca mais olhar para outro homem. Não casou, não teve filhos, nunca mais se deu o direito de amar. Para os colegas, WF leva uma vida quase monástica e, acima de tudo, solitária num pequeno apartamento na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, de onde só deve sair para o trabalho, as missas dominicais ou eventuais visitas a irmãos e sobrinhos.

Toda essa imagem estereotipada esteve preste a desmoronar no início do ano. A WF imaginada pelos companheiros de serviço público não existe. Ela, na verdade, nunca amou homem nenhum, nunca dividiu apartamento na Tijuca com a solidão e muito menos leva uma vida de freira. Lésbica desde sempre, a secretária se relacionou afetivamente com algumas mulheres e, se teve algum desgosto amoroso, este aconteceu há pouco – na mesma época em que um tsumani varria as cidades praianas da Indonésia –, tem pele, osso e as iniciais SH.

As duas – WF e SH – tiveram uma vida conjugal de dezessete anos, mas a funcionária pública resolveu acabar com o romance. Desprezada e dispensada, SH não aceitou a separação e passou a jogar pesado com a parceira. Não aceitou sair de casa. Depois, passou a agredi-la fisicamente. Numa segunda-feira, por exemplo, WF apareceu na repartição com um olho roxo e alguns hematomas visíveis pelo corpo, mas conseguiu ludibriar os colegas com a versão de que havia sido atropelada por uma bicicleta que trafegava na contramão de uma rua que ela estava atravessando. Acreditaram. Não satisfeita, a agressora foi mais fundo. “Ela ameaçou contar para todo mundo que eu sou sapatão”, revelou WF. “Ela ia acabar comigo, me destruir.”

Esses só são alguns poucos relatos de quem teve a coragem de se expor e não se calar diante da violência e do preconceito. Qual é o momento certo de por um ponto final em uma relação baseada nos princípios da violência?! A partir do instante que você estiver se sentindo lesada moralmente, fisicamente e/ou psicologicamente e vir que mesmo depois de inúmeras conversas entre você e ela, a situação permanece a mesma ou pior: está aumentando rumo ao total descontrole! A base do amor é a confiança e o respeito mútuos, e quando isso é deixado de lado, dificilmente conseguiremos reconquistar esses valores. Por mais que uma relação esteja fadada a terminar seja lá qual for o motivo, há de haver um consenso, uma conversa e jamais pensar que aquilo é o fim do mundo: nunca seja ou nunca se ache dependente daquela pessoa. A dependência na maioria dos casos leva à possessão. Para que encher de rancor e magoa o coração de alguém que tempos antes fizemos juras de amor? Xingar, bater e humilhar são as formas mais estúpidas de resolver problemas em um relacionamento. Pense nisso.

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